CARTA ABERTA AO JUDAÍSMO REFORMISTA

 

Prezado Judaísmo Reformista,

          Primeiramente, cumpre-me esclarecer desde já, de forma clara e sucinta: você possui dois aspectos que eu admiro e admito – superam os da corrente ortodoxa tradicional.

          O primeiro diz respeito ao sionismo. Apesar de não vislumbrar muito reconhecimento político e oficial em Israel, e nem ao menos uma quantidade considerável de adeptos israelenses fiéis a seus princípios, você apoia o Estado Judeu de maneira intensa e vibrante. Você considera o Estado de Israel como parte integrante e essencial da identidade judaica atual. Você poderia muito bem, sob o argumento do monopólio da ortodoxia, virar as costas à Israel. Mas você não o faz. Você costuma apoiar expressamente e defender amplamente o único país do mundo preocupado com a situação de todos nós. Você reconhece a importância da relação Israel – Diáspora e, via de regra, não mede esforços para que ela seja solidificada no âmbito comunitário, político e religioso.

      O segundo diz respeito ao Tikun Olam. Você eleva esse preceito de maneira espetacular, engrandece a missão do judaísmo no mundo em geral, enobrece nossos valores. Você estimula e incentiva o ativismo, não fecha os olhos para o outro, está aberto para diálogos entre religiões, assume papel fundamental no departamento de relações exteriores do judaísmo. Você não nega a modernidade e não restringe seu campo de visão apenas para os judeus, sua mente é aberta. Graças a você, o judaísmo torna-se mais universalista, se expõe mais para sociedade maior. A imagem e a missão dos judeus no mundo vão além do estudo contínuo e ininterrupto do Talmud.

       Eu os respeito por isso e acredito que outras linhas judaicas devem não apenas respeitar, mas importar e difundir essas características.

       Contudo, lhe escrevo questionando seus fundamentos mais básicos, que no caso brasileiro podem se estender, em sua maioria, a seu irmão gêmeo, o judaísmo massorti / conservador.

        Eu compreendo o contexto histórico polêmico que possibilitou seu nascimento. Eu entendo que você é filho de dois grandes progenitores: a emancipação e a identidade nacional europeia de um lado, e a conservação da identidade judaica de outro. Você nasceu para solucionar um conflito profundo, você foi concebido como uma resposta a um dilema: conciliar judaísmo e ideais iluministas. Confesso que pareceu ser uma boa ideia, a princípio. Contudo, para isso, logo no início do seu crescimento, você optou por alterar as tradições judaicas.

       Você alterou os requisitos para ser rabino. Você alterou as rezas e até seu idioma. Você alterou o nível de obrigatoriedade dos preceitos sagrados. Você alterou o processo de conversão. Você alterou as leis dietéticas. Você chegou ao ápice de alterar o Shabat para domingo. Você, portanto, alterou a essência da religião judaica.

          Eu concordo que a Halachá nem sempre foi a mesma e deve interagir com a época em que estamos, mas vamos lá, sejamos francos, temos que assumir: você não adaptou a Lei Judaica, você a jogou fora e construiu outra. Uma coisa é propor Emendas Constitucionais, outra é elaborar uma Nova Constituição, quebrando clausulas pétreas da antiga. Você não adaptou o judaísmo a modernidade, você transformou elementos judaicos com base nessa modernidade. Você tentou facilitar o judaísmo, tornando-o mais confortável através da subordinação às vontades e desejos da época.

           Para integrar-se na sociedade, você mudou a cara do judaísmo. Para não arriscar ser o diferente, você tentou se igualar. Na minha opinião, ficou menos autêntico, mas isso vai do gosto pessoal de cada um. Milhões de norte-americanos gostaram da reforma.

          Tudo bem. Eu não lhe culpo. Você agiu no calor do momento, era um recém-nascido. Reformar os preceitos básicos – os mesmos que garantiram a sobrevivência do povo judeu ao longo dos milênios – pode ter sido uma opção razoável na época.

        Mas estamos em 2013. A voz do judaísmo é ouvida e respeitada, somos cidadãos brasileiros de direitos iguais, independente de como professamos nossa fé. As circunstâncias de seu nascimento – a necessidade de modernizar antigas tradições para melhorar o envolvimento com o mundo e com a sociedade maior – não é mais justificado. É possível seguir rituais, viver uma vida de acordo com a Halachá e ao mesmo tempo desfrutar da cidadania plena e da emancipação. O judaísmo ortodoxo não mais representa um retrocesso do ponto de vista gentio e não mais vivemos na época do Estado Nacional, onde a identidade do autóctone sobrepõe-se a qualquer outra.

            O drama do judaísmo na primeira metade do século passado foi o da continuidade judaica física, sustentada pelo antissemitismo violento, cujo apogeu se deu com a Solução Final. Você falhou. Ironicamente, o país que nos acusou de ser uma raça diferente foi o mesmo que você nasceu para tentar ser uma raça igual: a Alemanha, que não poupou nenhum tipo de judeu das câmaras de gás e esclareceu de uma vez por todas que sempre seremos judeus alemães e não alemães de fé judaica, por mais que tentemos adaptar o judaísmo às nossas vontades. O Nazismo comprovou que seu sonho de aceitação na sociedade maior apenas através de um judaísmo reformado fracassou. As alterações na religião judaica não foram suficientes para conter a imagem de que somos diferentes, não refreou o antissemitismo. A 2ª Guerra Mundial foi sua primeira derrota.

        O drama do judaísmo a partir da segunda metade do século passado é o da continuidade judaica espiritual, sustentando pelos altos indicies de assimilação, de abandono e abdicação da herança judaica. Você não parece ser contra os casamentos mistos ou celebrados após rápida conversão ao judaísmo. Até quando? Quantos dados estatísticos serão necessários para comprovar que se casar com uma pessoa de outra fé não cria um lar judaico e uma família judaica, por mais que a interpretação do significado de judaísmo seja extensiva, abrangente e inclusiva? Você oferece meios alternativos para se ter uma vida judaica plena, mas esses meios não tem tido eficácia e o tempo está nos dizendo isso. Seus seguidores estão começando a diminuir, segundo novos dados. Tudo indica que você tem seus lados positivos, mas, ao propor um sistema anti-Halachico, não está contribuindo com a continuidade do nosso povo, de acordo com provas numéricas. Não estou dizendo que esse sistema não é válido. Ele pode até ser uma das formas de cultura judaica atual, uma das expressões judaicas, mas não funciona como autoridade e liderança religiosa que visa à continuidade judaica. A assimilação total e a perda gradual da identidade representa sua segunda derrota. Quem é capaz de afirmar “meu bisavô era um judeu reformista”? Por quantas gerações seu brilho é capaz de perdurar?

              Se de fato toda sua ideologia e teoria se aplicasse à pratica real, eu me calaria. Mas o que vejo é diferente: quanto mais exigente, rígida e inflexível for uma festa judaica, por exemplo, maior o número de adeptos e maior sua valorização! Isso é claro em Pessach, Shavuot e Sukot: quanto mais complexo e difícil for seu cumprimento, maior sua observância por parte dos judeus. O judaísmo não sobreviveu porque era confortável e amigável e sim porque era difícil, requeria esforço e comprometimento.

        Avós que abandonam as restrições da Halachá e legitimam religiosamente esse abandono muitas vezes veem seus netos abandonado o próprio judaísmo, independente das inúmeras e diferentes definições com as quais conceituamos judaísmo.

       Diante da sua proposta atual de moldar o judaísmo de forma mais pluralista, humanista, igualitária, contemporânea e moderna, muitos que discordam dessa visão tomam atitudes radicais. Já fui aconselhado diversas vezes a nem ao menos pisar no salão de uma sinagoga reformista. Acredito que atitudes e reações como essa não levarão a nada. Mesmo que discordemos um do outro, acredito que você já esta enraizado no mundo judaico e é necessário respeitar isso, não podemos nos isolar e fingir que não temos nada em comum. É direito seu ter uma parte especial do Kotel para rezar como acha que devemos rezar, embora eu nunca participaria de um kablat shabat lá pois acredito que não é necessário eliminar diferenças entre funções de homens e mulheres para se chegar a igualdade de sexos.

            Peço desculpas caso algumas opiniões minhas lhe ofendeu e magoou, mas prefiro um diálogo franco e direto ao invés de expressões fracas e politicamente corretas.

            Não houve épocas em que todo povo judeu esteve completamente e ideologicamente unido. Sempre haverá discordâncias. Esse é a mensagem por trás das anedotas: dois judeus, três opiniões. Um judeu na cidade, duas sinagogas (a que ele vai e a que ele não vai). Entretanto, cada vez que nos desunimos, perdemos.

         Devemos lembrar que temos coisas em comum. Acredito que há momentos em que podemos remover nossos rótulos religiosos e lutar por uma mesma causa, pelo simples fatos de sermos judeus e pertencemos a um mesmo povo, a uma mesma nação.

           Aguardo um dia receber sua resposta e pode ter certeza que, mesmo se ignorado for, continuarei disposto ao diálogo intra-religioso e a uma maior interação e até integração entre as diversas linhas judaicas.

        Afinal de contas, Am Israel Chai.

         Apesar de tudo, nós todos fazemos parte do Povo de Israel. Nós todos existimos. Cabe a nós tornar essa existência uma coexistência pacífica, madura e agregadora.

 

    Adendo: De certa forma fortalece os forçados quando são julgados, discriminados e marginalizados pelos reformistas, liberais, massorti. Dessa forma judeus são apenas os ortodoxos, até então não é minha visão.!